17 de maio de 2025

Processo Judicial

A Justiça levada a sério

Fenômenos Constitucionais

5 min leitura
Os fenômenos constitucionais são consequências do surgimento de uma nova constituição face à existência de uma constituição anterior.

Os fenômenos constitucionais são consequências do surgimento de uma nova constituição face à existência de uma constituição anterior.

1.1. Recepção

Recepção é o ato através do qual uma nova Constituição recebe, aceita, mantém a validade das leis infraconstitucionais anteriores com ela compatíveis. Quando uma Constituição é substituída por outra, não se faz necessário reescrever toda a legislação infraconstitucional.

Qualquer juiz ou Tribunal poderá declarar que uma lei ou ato normativo não foi recepcionado pela nova Constituição. Trata-se de um corolário da atividade jurisdicional apreciar a vigência, validade e eficácia das normas.

Com o advento da Lei n. 1.882/11 (que regulamentou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), esse cenário foi alterado. Por expressa previsão no art. 1º, parágrafo único, da referida lei: “Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

1.2. Repristinação

Repristinação é o regresso da lei revogada quando a lei revogadora deixa de existir. É previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É possível haver repristinação quando a lei revogadora expressamente a determinar, o retorno da lei anterior. No entanto, isso ocorre somente pela força da nova lei, que se utiliza do espírito de uma lei já extinta.

Imaginemos que a Lei A foi revogada pela Lei B, que acaba de ser declarada inconstitucional, em decisão cautelar de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nesse caso, essa decisão cautelar, com efeito ex nunc, manterá revogada a Lei A e suspenderá a aplicação da Lei B, criando uma lacuna jurídica séria. O assunto tratado pelas Leis A e B não terá mais legislação respectiva. Por essa razão, por expressa previsão legal, haverá a repristinação: a Lei A, anteriormente revogada, voltará a viger, em razão da suspensão cautelar da Lei B, considerada inconstitucional.

Declarada inconstitucional a lei revogadora, em decisão definitiva no controle de constitucionalidade (por exemplo, na ADI genérica), os efeitos dessa decisão são ex tunc (retroativos). Declarada inconstitucional, é como se a lei revogadora jamais tivesse existido e, assim, jamais tivesse revogado a lei anterior. Ocorrerão, nesse caso, efeitos repristinatórios (pois, realmente, a lei anteriormente revogada voltará a ser aplicada imediatamente com a decisão), mas não exatamente repristinação (pois não houve, de fato, regular revogação).

1.3. Desconstitucionalização

A desconstitucionalização ocorre quando a nova Constituição, ao revogar a Constituição, transforma parte desta em lei infraconstitucional, que teriam força de lei complementar ou ordinária.

Esse fenômeno não existe no Brasil, a não ser que a nova Constituição expressamente o faça. O poder constituinte originário é legalmente ilimitado, não possuindo limites em nenhuma outra lei. Ora, se a nova Constituição pode ab-rogar a Constituição anterior, também pode derrogar a Constituição anterior, mantendo parte dela ainda vigente, mas agora com força de lei infraconstitucional.

1.4. Recepção material de norma constitucional

Fenômeno identificado por Jorge Miranda, segundo o qual a nova Constituição pode manter em vigor, ainda que por pouco tempo, parte da Constituição anterior, com status constitucional. Difere da desconstitucionalização, onde a norma constitucional anterior permanece vigendo, mas com força de lei infraconstitucional. Na recepção material de norma constitucional, a norma constitucional anterior permanece vigendo como norma constitucional.

1.5. Revogação

Consiste na supressão da vigência de uma lei operada por outra lei da mesma hierarquia, fonte e natureza. Uma lei ordinária federal revogará outra lei ordinária federal. Não há revogação de leis estaduais por leis federais, bem como não há revogação de uma lei complementar por uma lei ordinária ou revogação de uma lei inferior por uma lei superior, pois, nesse caso, há a retirada da validade da norma, com a subsequente perda da vigência.

A revogação, em regra, da Constituição anterior, é integral (ab-rogação). Entretanto se houver expressa previsão na nova Constituição, pode ocorrer uma derrogação (revogação parcial), mantendo em vigor alguns dispositivos da Constituição anterior (recepção material de norma constitucional).

1.6. Aplicação da Constituição no tempo

1.6.1. Vacatio constitutionis

Vacatio legis é o período de vacância da lei, existente entre sua publicação e sua entrada em vigor. A finalidade da vacatio legis é possibilitar que a população tenha conhecimento da nova legislação, podendo a ela se adaptar. Conforme preceitua o art. 1º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Desta forma, em regra, o prazo da vacatio legis é de 45 dias, mas, por expressa previsão na legislação, esse prazo poderá ser maior, menor ou nem existir.

Quando ocorre no texto constitucional, teremos a chamada vacatio constitutionis. Por exemplo, a Constituição Federal de 1969 (ou Emenda Constitucional n. 1, de 1969) foi promulgada no dia 17 de outubro de 1969 e entrou em vigor no dia 30 do mesmo mês.

1.6.2. Eficácia retroativa das normas constitucionais

As normas constitucionais, assim que promulgadas, devem ter efeitos imediatos. não há que se confundir efeitos imediatos com efeitos retroativos. O Supremo Tribunal Federal na ADI 493 destaca as possibilidades de retroatividade da norma constitucional:

a) retroatividade máxima ou restitutória: a norma constitucional ataca fatos já consumados, atos jurídicos perfeitos;

b) retroatividade média: a norma constitucional atinge os efeitos pendentes de atos jurídicos verificados antes dela, ou seja, atinge as prestações vencidas, mas não adimplidas;

c) retroatividade mínima, temperada ou mitigada: a nova lei constitucional atinge apenas os efeitos dos atos anteriores, verificados após a data em que entra em vigor.

1.6.3. Derrotabilidade das normas constitucionais.

É o ato pelo qual uma norma constitucional deixa de ser aplicada, mesmo presentes todas as condições de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no caso concreto. No Brasil, a “derrotabilidade” da norma constitucional pode ocorrer em razão de significativas mudanças sociais que fazem com que órgãos jurisdicionais, sobretudo o STF, possam considerar a norma inaplicável em algumas situações concretas. A título de exemplo, a não aplicação do art. 5º, caput, da Constituição Federal (no que tange ao direito à vida) aos casos de interrupção da gravidez quando há anencefalia (ADPF 54). O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura.

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